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domingo, 14 de junho de 2015

O TELEGRAFISTA


Na pequena estação esquecida no alto da serra, reinava o silêncio e a solidão naquela abafada noite.
O ar parado, sequer as folhas das árvores se mexiam... Uma atmosfera misteriosa rondava o ambiente.
O manobreiro cochilava com a cabeça apoiada sobre a mesa, espantando com as mãos os pernilongos que insistiam em “cantar” nos seus ouvidos.
José Francisco Neto, o telegrafista, incomodado com a monotonia do ambiente, prefere sair e sentar-se sobre a plataforma vazia e escura. Enquanto isso observa as estrelas, na expectativa de que uma suave brisa venha lhe acariciar os cabelos...
De repente, o silêncio é quebrado pelas batidas da palheta do telégrafo e ”de ouvido” pega uma mensagem misteriosa: “... a solidão toma conta de mim...”
Corre para o manipulador e pergunta de onde vem a mensagem, quem está do outro lado?
Em resposta, o mais absoluto silêncio...
Ele retira o surrado relógio de algibeira de dentro do bolso, confere as horas e arrepiado constata: os ponteiros apontam para o infinito, era meia noite.
Calafrios percorrem sua espinha, ele olha para o companheiro que ronca debruçado sobre a mesa já sem se preocupar com os pernilongos, este nada presenciara!
O restante do turno corre tranqüilo e sem novidades, mas o impressionado telegrafista não se esquece da misteriosa mensagem captada naquela noite.
Não comenta nada com os amigos com medo de ser ridicularizado, mas ansioso, já fica pensando na próxima noite.
E ela chega mais rápido do que ele imagina... Repete-se a cena: a estação deserta, o silêncio, a atmosfera abafada, o manobreiro dormitando, debruçado sobre a mesa...
Desta vez ele não vai para a plataforma, fica “grudado” no telégrafo aguardando a “hora grande”.
E no momento exato em que os ponteiros se juntam e o relógio da estação começa a bater as dozes badaladas noturnas, uma nova mensagem começa a se desenhar nos pontos e traços da amarelada fita: “... nesses momentos de sofrida solidão...”
Mais uma vez calafrios violentos tomam conta do corpo do telegrafista que passa as mãos sobre os cabelos ao sentir que estão arrepiados...
Com as mãos trêmulas e os olhos orvalhados de emoção, pergunta mais uma vez se aquilo é brincadeira de algum colega de outra estação, pergunta se algum outro telegrafista captara a mensagem....
De novo tem como resposta, o mais absoluto silêncio...
Corre para o banheiro, lava o rosto, se olha no espelho...
Toma uma caneca de café quente, sai no pátio e observa a passagem de um trem cargueiro, que desaparece na curva, deixando para trás a fumaça cheirosa do carvão mineral e os apitos que ecoam nas encostas da serra.
Nos próximos dias não consegue mais pensar em outra coisa, sente-se obsidiado pela idéia, ansioso por chegar ao fim dessa misteriosa história.
E as mensagens se sucedem nos próximos três dias, completando a enigmática mensagem, que em rimas dizia:
” A tristeza toma conta de mim,
Nesses momentos de sofrida solidão.
Desde que daqui parti,
Sangrando está meu coração.
Por isso me aproximei de ti,
No silêncio desta nossa estação.
E contigo estarei sempre,
Creia, não se trata de sua imaginação.”
E a última mensagem esclarece:
“Quer saber quem sou eu? Veja o Livro de Ocorrências dos Telegrafistas, página 89, ano de 1894”
Surpreso e profundamente impressionado, o telegrafista observa que trata-se de um livro de 90 anos atrás.
Após uma demorada busca nos arquivos empoeirados da estação, finalmente encontra um velho e amarelado livro de capa dura desbotada. Abre o livro na página mencionada e trêmulo de emoção observa entre as anotações referentes às atividades do telegrafista do plantão da noite, disfarçada no cantinho da página, escrito à lápis, uma frase que estivera presente no seu pensamento durante todos aqueles dias:
“... a tristeza toma conta de mim, nesses momentos de sofrida solidão...”
Vira afoito a folha para ver a assinatura do telegrafista e com a vista embaralhada pelas grossas lágrimas que inundam seus olhos, desvenda, enfim todo aquele mistério...
Assina o relatório, o telegrafista José Francisco, seu falecido avô.

                                                            Antonio Carlos Arruda

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